Há umas semanas atrás, a caminho do teatro, umas horas antes da estreia do Things I know to be true, falava ao telefone com uma colega atriz. Partilhava que sentia-me estar a ficar em pedra. Como me atreveria a empatizar com os problemas de primeiro mundo que tratava o texto, quando acabara de rebentar uma das maiores tragédias deste século. Sinto que desde que fui mãe, o mundo colapsou sobre si próprio. O planeta está ligado a um ventilador e os líderes fecham os olhos; ditaduras multiplicam-se sobre as mulheres e o ocidente fecha os olhos; há campos de refugiados e milhares de famílias a morrer no mar e a Europa fecha os olhos; há pandemias e finge-se que estamos todos no mesmo barco; há guerras por toda a parte e são dois pesos e duas medidas para a maneira como se olha para cada uma delas. E ali estou eu a caminho do teatro, preocupada porque estou a converter-me uma pedra no meio de tudo isto. Porque me sinto verdadeiramente intoxicada por tamanha banalidade do mal e por nem sequer me permitir sentir o que quer que seja em relação aos meus problemas. Muito consciente de que será este ciclo a alimentar a minha própria frieza. Daqui a bocado não conseguimos sentir nada, e esse lugar é muito perigoso. O que ainda nos distingue das máquinas é a capacidade de sentirmos, do arrepio na pele, da alegria, do amor, da surpresa, até da própria dor. Estamos vivos porque sentimos. Este ano li mais existencialistas e niilistas e absurdistas do que achei ser capaz sem me converter num deles. Tenho o privilégio de ter 2 filhos que ainda não têm percepção de nenhum destes problemas, que transbordam alegria e andam constantemente espantados de existir como escreveu JGF. E é neles que todos os dias re-encontro a esperança, a beleza e a resignação a uma realidade que não entendo mas que tenho de contrariar. Como ser humano, como artista, como mãe. Numa das críticas que recebemos na peça, citava-se Chesterton: “The most extraordinary thing in the world is an ordinary man and an ordinary woman and their ordinary children”. E é esta simplicidade e esta beleza que tenho andado a deixar entrar, em cada momento da minha vida. Acho que só essa procura poderá salvar o mundo.